Os sonhadores, um livro sobre a complexidade da mente humana.
- Fernanda Cidade Gonçalves
- 26 de mai. de 2020
- 8 min de leitura
Contém spoilers!
Depois de um mês, consegui terminar um livro inteiro! E o livro da vez é Os sonhadores por Karen Thompson Walker.
Sem dúvida alguma, esse é o tipo de livro que eu nunca teria escolhido ler se não fosse pela minha assinatura no Club de leitura Tag, mas é uma história que vale a pena ser lida.
"Às vezes um medo grande pode ampliar os menores."

Um livro com uma complexidade e profundidade enorme, e que demora certo tempo para ser digerido em algumas partes. A história fala sobre essa cidadezinha fictícia no interior da Calífórnia chamada Santa Lora e como um vírus misterioso assolou toda a harmônia que ali vivia.
Somos introduzidos logo no começo a Mei, uma universitária de dezoito anos que saiu de San Diego para estudar em Santa Lora, em uma das melhores universidades do estado, e logo nesse começo onde somos introduzidos a Mei, somos introduzidos automaticamente a primeira infectada da história e como isso logo resultou em caos completo na universidade.
A doença contraída causa um sono tão profundo que as pessoas infectadas não são capazes de acordar, quase como um coma, porém se descobre que o que diferencia os dois é que, todos contaminados estão sonhando com alguma coisa.
Logo após sermos introduzidos a Mei somos introduzidos a mais três universitários, Rebecca, Matthew e Caleb e como a doença estava afetando eles durante a quarentena estalada no começo do livro. Após esses personagens somos introduzidos a Sara, Libby, Ben, Annie e a filhinha do casal. E mais para frente se é introduzido Nathaniel, um professor da universidade de Santa Lora de biologia, e logo em seguida somos introduzidos a Catherine, a psiquiatra que vai cuidar dos não-infectados de Santa Lora.
Os principais e os coadjuvantes.
Durante o livro, se vai percebendo com clareza quem são os principais da trama, e são eles Mei, Sara, Libby, Rebecca, Ben e Annie. Claro, eles são os que foram escritos para serem os principais, mas para mim existe uma secundária que se sobressai e vira uma principal ao decorrer da narrativa, e é Catherine.
Ao decorrer da história a autora vai nos conduzindo através do surto do vírus do sono por esses personagens e como uma doença afeta a vida das pessoas de várias formas diferentes e como o caos e o medo podem afetar a mente do ser humano de uma forma bem parecida para todos.
Mei Liu.
Mei é o fio condutor da narrativa da história, na maior parte do livro se vê o ponto de vista dela e como as coisas estão acontecendo para ela. Foi a primeira a testemunhar o vírus de perto quando atingiu sua colega de quarto, Kara, tornando-a quase que uma protagonista fixa do enredo.
Mei é uma personagem tímida, que prefere não receber a atenção dos outros a sua volta e gosta da sua invisibilidade, principalmente por ter receio do que irão falar sobre sua etnia por ser ascendência chinesa, mas ser nascida nos EUA.
Logo no começo do livro ela conhece Matthew, "o esquisitão", durante a quarentena no seu andar na universidade, onde ambos obviamente viviam. É ele quem faz todos os trejeitos iniciais de Mei serem mudados sutilmente durante a trama, ela começa a se soltar mais e durante o caos instalado após Santa Lora perder o controle da situação e os universitários fugirem, Mei quer ajudar a comunidade em crise, algo que Matthew "implanta" nela durante a trama.
Mais para frente, se percebe que bem entrelinhas os dois estão tendo um romance bem estranho, já que a narrativa é somente na visão de Mei, e pelo que se pode ver, a única pessoa investida ali é ela, já que ele sempre tem aqueles papinhos de que "ela esta apegada demais" a ele. Mas isso é uma parte muito importante da história da personagem, porque mais adiante no livro ela acaba contraindo o vírus e isso, de certa forma, faz o mundinho de Matthew ficar abalado, pois descobrimos que os infectados estão todos conscientes durante seu sono.
Mei é uma das personagens mais fortes da trama, mesmo que ela pareca ingênua, é decidida, forte e dedicada aos seus princípios e isso se mostra em várias cenas, mas em principal quando ajuda Nathaniel e quando ajuda Sara.
Sem dúvidas foi uma das minhas favoritas.
Rebecca e Caleb.
Não há como falar de um sem mencionar o outro, mesmo que Rebecca seja muito mais principal que Caleb foi. Prontamente no começo da trama, se apresenta que Rebecca e Caleb tiveram relações sexuais após uma noite de bebedeira no dormitório quando todos estavam de luto por Kara, a primeira infectada. Também, se apresenta como Rebecca era antes de ir para Santa Lora: é descrita como uma menina de cabelos vermelhos que vem de uma família religiosa, que está tendo suas primeiras experiências sociais na universidade longe dos pais.
No dia seguinte ao seu breve romance com Caleb, Rebecca não acorda e é levada para o hospital, onde passa quase um ano inteiro internada. Caleb também contrai o vírus e é internado, mas honestamente ele não tem muito o que adicionar a história, sem ser o fato de ser pai do bebê que Rebecca gesta durante a história no seu sono profundo.
Rebecca desempenha o papel de personagem passiva durante quase toda a narrativa, e é por meio dela que a autora aprofunda o mistério da doença e pontua a passagem do tempo a partir da gestação da personagem.
Ela simboliza a doença, pois é a única personagem que a autora volta repetidas vezes para falar sobre o vírus.
Sara e Libby.
Sara, de doze anos e Libby, de onze anos são irmãs e filhas do zelador da universidade onde o vírus foi visto primeiro. Durante o livro, se percebe que Sara se sente muito mais velha do que a irmã, e ao decorrer da narrativa, ela demonstra ter muito mais liderança que a irmã.
Uma das coisas mais marcantes nas personagens é sua juventude e o fato de que sempre estão a procura de elementos maternos na casa, já que sua mãe é falecida, e permanece muito na imaginação delas durante o romance de Karen. Após certo tempo elas ganham mais evidencia na narrativa, onde se mostram muito maduras para a idade quando precisam lidar com situações cruciais sem a presença de adultos.
O pai delas, é o secundário mais marcante da história, e elas tem um grande reflexo da personalidade dele. O pai de Sara e Libby é extremamente paranoico, e é ele depois de Mei quem acompanha desde o começo o surgimento da doença, e acredita que há uma verdade não revelada pelo governo sobre ela. O fato dele ser paranoico ao extremo, reflete muito na personalidade das meninas, já que ele acredita que precisa proteger elas a todo custo, e mostra como isso afetou cada uma delas.
Sara, no fundo esta aterrorizada, mas por fora se mantém cética, já sua irmã, Libby, não deixa em nenhum momento de demonstrar sua apreensão, porém com o tempo acaba muito mais madura do que no começo da história.
O ponto chave para elas é quando seu pai as deixa sozinhas na casa após contrair a doença, e é nesse momento que as irmãs precisam virar adultas antes da hora. Todo o mdo que elas sentiam logo se torna em uma coragem consistente e inabalável, especialmente para Sara, que sempre se viu como uma mãe para com Libby.
Para mim, Sara e Libby foram as personagens mais marcantes junto com seu pai.
Ben e Annie.
Sem dúvida alguma foram os personagens mais sem graça para mim durante a leitura.
Ben e Annie são um casal jovem de professores que acabaram de se mudar para Santa Lora quando a doença do sono começa a se espalhar e a cidade tem de ser isolada do resto do estado da Califórnia. Annie ocupa um cargo-temporário na universidade - dois anos em um laboratório de física -, e Ben leciona literatura na universidade.
No livro se é introduzido que eles acabaram de ter uma filha, e Ben se mostra ser um pai dedicado e Annie ainda está se acostumando com a maternidade, mas também é dedicada a filhinha.
Ben considera o que está acontecendo em Santa Lora lastimável, porém não se mostra preocupado no começo da trama, diferente de Annie. São vizinhos de Sara e Libby, mas mesmo quando as duas pedem ajuda deles, eles não ajudam elas, não necessariamente, e isso, torna eles para mim péssimos personagens. Quem recusa ajudar duas crianças que acabaram de perder o pai? Tem de ser sem coração.
Ambos tiveram péssimas experiências em Nova York e foi esse o motivo para se mudarem para Santa Lora.
Ao decorrer da trama se descobre que Annie é infectada, e isso torna Ben obsessivo com a saúde da bebê, Grace, e até mesmo se tornando um personagem chato de se ler. Mas a obsessão dele não adianta em muito depois de algumas semanas de Annie infectada, já que Grace também é pega pela doença e, quase no final do livro, Ben também.
Honestamente, não gostei tanto dos personagens, fala muito sobre o passado deles em Nova York e, em alguns momentos, durante as lembranças deles, a bebê é esquecida e lembrada somente quando chora. Não acho que tenham sido personagens marcantes para mim.
Catherine.
Mesmo sendo avaliada como secundária, para mim ela se destaca como uma principal! É ela quem cuida do psicológico daqueles que não foram afetados pela doença, como os familiares de fora dos universitários.
Ela tem grandes momentos na trama, e é por ela que a autora fala sobre as partes técnicas e complexas de uma doença que afeta o cérebro dos sonhadores. Além de cuidar dos não infectados, ela foi chamada em Santa Lora para estudar sobre a psicoanalise da doença.
Catherine se mostra a personagem mais consistente da trama e também aquela que parece ter a sanidade dela em dia, mesmo que em alguns momentos ela pareça que vá perder ela. Pois bem, ela nunca perde e sempre se mostra muito decidida de suas ações na história.
Ela foi uma das mais marcantes junto com Sara e Libby e o pai das meninas.
"A preocupação, ela [Catherine] muitas vezes faz questão de lembrar a seus pacientes, é uma espécie de criatividade. O medo é um ato da imaginação."
Além de mostrar a complexidade da mente humana por meio de uma doença que causa um sono profundo, mostra da mesma forma como o medo pode mudar a vida de uma pessoa para sempre. A história é muito focada nisso, na humanidade e como o nosso cérebro pode afetar muitas situações por conta do nosso medo, que como diz Catherine, é um ato da imaginação.
E o medo no livro é bem presente, muitas vezes transcendendo a linha para o pavor completo em alguns personagens, como Ben e o pai de Sara e Libby.
O caos se faz presente de uma forma nada sútil, mostra como durante tempos de desespero o governo é obrigado a usar a força bruta contra a população e como essa mesma população pode vir a ser agressiva um com os outros durante tempos incertos. Mas não é isso que nossa vida é o tempo inteiro? Tempos incertos? Nunca se sabe o que vai acontecer no dia de amanha, mas durante um caos de uma doença tudo se amplifica por conta do nosso medo e o que nossa imaginação pode vir a fazer e afetar nele.
"O tempo, dizia Santo Agostinho, existe apenas na mente."
Essa citação é o que mais solidifica o livro, na minha opinião, porque é aqui onde se pode perceber que todo o tempo do mundo poderia nunca resolver o problema de Santa Lora, já que o tempo existe na mente de cada indivíduo e passa de uma forma diferente para cada um.
Os sonhadores, foi sem dúvidas uma experiência de leitura muito boa, mas a narrativa me deixou cansada em certas partes por sentir que a história não estava indo, exatamente, para frente, e não sou muito fã desse tipo de narrativa. Sem contar, claro, o tema pesado que se passa na trama, que vem a coincidir perfeitamente com esses tempos de pandemia e isolamento social que está acontecendo não só aqui no Brasil, como no mundo todo, e mesmo que em certas partes tenha ajudado-me a entender mais sobre os porquês do isolamento ser uma coisa muito benéfica - já que foi na parte do livro onde eles quebram o isolamento que as coisas vão ralo abaixo -, me fez sentir certa ansiedade também.
Definitivamente, não é um livro para ser lido mais de uma vez, a sensação da primeira leitura é o que faz dele especial.
E a grande mensagem do livro é: em tempos de desespero, é sempre bom manter a calma e ser corajoso e bondoso consigo mesmo e com os outros.
Xoxo,
Fê.
Comments